Exclusivo: gravações mostram assédio moral de Pedro Guimarães na Caixa.
Os depoimentos revelados com exclusividade pela
coluna nos quais funcionárias da Caixa denunciam episódios de assédio
sexual envolvendo Pedro Guimarães, que até esta quarta-feira (29/06) comandava
o banco público, trazem também uma série de relatos de assédio moral. As informações
são do Metrópoles.
Os testemunhos incluem
situações em que Guimarães, a partir do cargo de presidente da Caixa, submeteu
subordinados a constrangimentos diversos.
Ao longo da apuração, a
coluna falou ainda com outros empregados da Caixa e reuniu elementos que
corroboram os relatos.
Tivemos acesso, também com
exclusividade, a registros em áudio que dão a dimensão dos arroubos, que
ocorriam inclusive em reuniões de diretoria.
Guimarães, que deixou o
cargo nesta quarta em razão das denúncias, detestava ser contrariado.
Com frequência, ele elevava
a voz e usava palavreado grosseiro e até chulo para reagir a decisões tomadas
pelos subordinados que o desagradavam.
Eis algumas dessas
situações:
A fúria por perder remuneração de conselhos
Em uma reunião no fim do ano
passado, Pedro Guimarães estrilou com executivos da Caixa em razão de uma
decisão que havia sido tomada pelo conselho do banco sem que ele tivesse sido
informado.
A coluna apurou com fontes
ligadas ao Ministério da Economia que a fúria tinha a ver com dinheiro: o
conselho havia aprovado uma mudança nas normas internas que passou a
estabelecer um limite à nomeação de Guimarães para conselhos da própria Caixa e
de empresas nas quais o banco tem participação.
Após a decisão, ele só
poderia ser remunerado pela atuação em, no máximo, dois conselhos. Na prática,
a mudança representava menos dinheiro no bolso do então presidente.
A partir de um levantamento
em documentos oficiais da Caixa, a coluna apurou que, desde que assumiu o
comando do banco, no primeiro dia do governo Jair Bolsonaro, Guimarães integrou
pelo menos 18 conselhos. Pela participação na maioria deles, recebia
remuneração.
A soma dos jetons a que ele
tinha direito nesses conselhos alcança a cifra de R$ 130 mil. Além desses
valores, Pedro Guimarães recebia ainda o salário mensal de presidente da Caixa,
de R$ 56 mil.
A partir da alteração nas
normas internas, a remuneração “extra” diminuiu sensivelmente. Guimarães
atribuiu a aprovação da nova regra a uma suposta sabotagem de seus
subordinados, que teriam deixado passar a mudança para prejudicá-lo
financeiramente.
A certa altura da
teleconferência, claramente irritado, ele diz que os executivos do banco
estariam trabalhando contra ele e contra o governo, e que eles mereciam “se f.”
com um eventual retorno do ex-presidente Lula ao poder. Ouça:
Na mesma reunião, Pedro
Guimarães pede a Celso Leonardo Derziê Barbosa, um amigo pessoal que ele alçou
à posição de vice-presidente da Caixa, para anotar o CPF de todos os
subordinados que estavam na conferência, para que fossem punidos com a perda
dos cargos que ocupavam caso o teor da reunião vazasse.
Celso Leonardo, que chegou a
ser cotado para suceder Guimarães na presidência da Caixa, é apontado como o
diretor encarregado de promover a perseguição interna contra os funcionários
que desagradavam ao amigo.
Neste momento da reunião,
Guimarães diz que a tarefa tinha que ficar a cargo de Celso Leonardo porque
Álvaro Pires, outro amigo dele levado para o banco e nomeado como assessor do
gabinete da presidência, é “pau mole” e não teria coragem de adotar as
providências. Pires é conhecido pelo apelido de Vreco. Ouça esse trecho da
reunião:
Um presidente autoritário
O jeito grosseiro fica
explícito em outros trechos das gravações às quais a coluna teve acesso.
Em uma das oportunidades, ao
se queixar de decisões que haviam sido tomadas no banco sem passar pelo seu
crivo, Guimarães diz não se importar com a opinião dos subordinados.
“Caguei para a opinião de
vocês, porque eu que mando. Não estou perguntando. Isso aqui não é uma
democracia, é a minha decisão”, afirma. Ouça:
O tom é semelhante neste outro áudio, em que ele
claramente ameaça de demissão os funcionários que tomarem decisões sem
consultá-lo: Todos os poderes ao gabinete
Eram comuns as situações em
que o caráter centralizador de Pedro Guimarães derivava para ataques e ameaças
aos funcionários.
Nesta outra gravação, ele
reclama de mais uma decisão dos executivos do banco que não havia passado pela
aprovação da presidência.
E diz que, ainda que algum
dos vice-presidentes da Caixa tivesse avalizado a decisão, o assunto deveria
ter passado pelo crivo da chefe de gabinete da presidência, Rozana Alves
Guimarães. “Manda todo mundo tomar no c.”, afirma.
Acareações entre funcionários
Os funcionários ouvidos pela
coluna afirmam que era comum Pedro Guimarães fazer acareações entre eles quando
percebia alguma divergência em respostas a seus questionamentos. Além disso, a
ameaça de demitir muitas vezes era cumprida, o que explicaria a alta
rotatividade nos cargos de chefia da Caixa.
“A gente tem 37 cargos de
dirigentes e mais de 100 pessoas já passaram por esses cargos desde que ele
(Guimarães) chegou”, afirma uma subordinada do gabinete.
Perder um cargo de confiança
pode significar muito. Executivos do banco recebem salários a partir de R$ 30
mil. Quando são demitidos das funções de chefia, eles voltam a receber o
salário original, até dez vezes menor. Por isso, dizem os funcionários, muitos
cediam aos caprichos de Guimarães.
“Você chega no nível máximo
e de repente despenca. Vira um técnico bancário”, diz a funcionária de
carreira, que relata ter sido vítima de assédio moral do então presidente do
banco.
“Faixa branca” e “Long Dong”
No dia a dia, dizem os
funcionários, a relação de Guimarães com seus subordinados mais próximos era
repleta de palavrões, termos pornográficos e expressões ácidas que mexiam com a
auto-estima deles.
“‘Pau mole’, ‘júnior’,
‘faixa branca’… É assim que ele chama todo mundo”, afirma um dos empregados da
Caixa ouvido pela coluna.
As expressões eram usadas
quando Guimarães queria dizer que os subordinados estavam desempenhando suas
tarefas como se fossem profissionais iniciantes, inexperientes.
Quando não estava satisfeito
com o resultado do trabalho de algum empregado, ele reagia irado. “Ele dizia:
‘Até meu filho faria isso melhor do que você’.”
Não eram incomuns as
situações em que o assédio moral vinha acompanhado das expressões de cunho
sexual, segundo o relato de uma funcionária que, assim como os demais colegas,
pediu para não ser identificada nesta reportagem.
“Tem uma coisa que ele
sempre fala que é assim: ‘Vai vir o Long Dong, vai entrar pelo c. e sair pela
boca’. Fui até pesquisar por qual motivo ele falava tanto desse Long Dong. É um
ator pornô. É muito assustador”, diz ela.
A neura com celulares
Segundo os depoimentos, por
vezes Guimarães cismava que estava sendo gravado e, de repente, pegava os
telefones dos subordinados para se certificar de que aplicativos de gravação
não estavam acionados.
“Ele implantou na Caixa um
ambiente de medo e de submissão, com o clima sempre tenso”, afirma uma
funcionária.
A cultura do medo, diz ela,
era um instrumento que ele entendia como necessário para uma gestão eficiente.
“E ele fala que, se a sua equipe gosta de você, é porque você é um péssimo
gestor. Funcionários, na visão dele, têm que te odiar o chefe. Diz que você tem
que arregaçar todo mundo “, prossegue.
Surto ao vivo
Uma funcionária relata que
Guimarães chegou a dar um murro na TV instalada em uma das salas usadas pela
diretoria da Caixa por causa de um problema no som. Depois, mandou tirar o
aparelho do local. A cena foi assistida por executivos do banco que, sob reserva,
concordaram em falar à coluna.
Ainda de acordo com os
relatos, Guimarães já danificou um computador da Caixa e arremessou um celular
funcional contra a parede durante um dos acessos de raiva, na frente de
funcionários.
Em uma live feita no canal
da Caixa no YouTube para explicar o pagamento do auxílio emergencial durante a
pandemia, ele ficou revoltado com um problema ocorrido na transmissão. “Ele
estourou e falou no ar que era para mandar todo mundo embora”, conta uma
funcionária.
Pimenta na comida
Um episódio relatado pelos
funcionários que aceitaram falar para esta reportagem tem pitadas de sadismo,
embora envolva uma prática à qual Pedro Guimarães procurava dar contornos de
brincadeira.
Em jantares, especialmente
durante viagens de trabalho, ele despejava pimenta nos pratos dos subordinados
e os exortava a comer tudo até o fim, ainda que a contragosto.
A prática era entendida como
mais uma das várias técnicas polêmicas usadas por Guimarães a pretexto de
motivar as equipes sob seu comando – ele chegou a ser processado por obrigar
empregados a fazer flexões em eventos públicos do banco e, quando decidia
descer de escada os 21 andares do edifício-sede da Caixa, saía colhendo os
funcionários que encontrava pelo caminho e os constrangia a acompanhá-lo.
No caso da pimenta, uma
funcionária diz: “Quanto mais você chora e passa mal, mais ele ri. Ele é bem
sádico. Em toda refeição de trabalho com ele tinha pimenta no prato de alguém”.
Postar um comentário