Janaína dos
Santos, 27 anos, não se lembra da data em que faz aniversário, nunca foi ao
médico quando sentia dor nem podia ter amigos ou sair de casa quando
quisesse. A jovem foi mantida em situação análoga à de escravidão, em cárcere privado e apanhava quase diariamente durante 15 anos.
A madrinha da jovem, Danielly
Medeiros, está presa temporariamente pelos crimes.
A jovem foi
tirada de casa aos 12 anos durante um feriado da Semana Santa, inicialmente,
apenas para passar alguns dias com a madrinha em Teresina.
Ela vivia
com os pais e seis irmãos mais novos na cidade de Chapadinha, no Maranhão,
para onde nunca mais voltou. Começou então uma rotina de escravidão, agressões,
ameaças e perda de qualquer liberdade.
Sem salário, sem estudos e sem liberdade
Janaína
estudava enquanto vivia na casa dos pais, mas desde que veio para Teresina nunca mais foi à escola, não aprendeu a ler e escrever nem teve qualquer
convivência com outras crianças ou adolescentes. Ela contou que era impedida de
sair de casa e fazer amizades e era obrigada a realizar todas as tarefas
domésticas na casa de Danielly, sem qualquer remuneração.
"Nunca
recebi salário, sempre vivi sem ajuda, nem pra comprar roupa, ela não me pagava
um centavo. [Para comprar produtos de higiene pessoal] eu pedia ao companheiro
dela, ele me dava dinheiro pra eu comprar. Eu recebia tudo usado, ela só me
dava quando não prestava mais", contou Janaína.
O clima na casa, que fica no bairro
Ilhotas, Centro/Sul da capital, era sempre ruim e pesado, segundo Janaína,
porque havia muitas brigas entre o casal. As
agressões, físicas, verbais e psicológicas contra ela também eram frequentes. Segundo
ela, apenas Danielly a agredia.
Segundo ela, o que ela fazia em casa nunca estava bom. Ela era
sempre tratada como preguiçosa e, quando a dona da casa não estava satisfeita,
a agredia.
"Ontem mesmo ela falou tanto nome
que doeu meu coração, e eu nunca respondia ela, ela me xingava, mas eu não
xingava, não dizia nada. Eu não tinha amigos, não podia sair, a última vez que
saí foi segunda-feira, mas ela tomou minha chave, me punia. Eu só saía pra
comprar coisas e voltar pra casa. Eu sentia tristeza, chorava sozinha, não
gostava da minha vida. Pedia a Deus que me tirasse dali", contou.
Entre as violências, ela também não podia
sair sequer para ter acompanhamento médico quando precisava e nunca realizou
consultas ginecológicas. Ela contou
que nunca foi a um hospital, mesmo quando sofreu com crises
de cólica renal, que causam dores intensas.
"Ela me dava uma dipirona pra eu me sentir bem, mas no médico nunca
fui", disse Janaína.
Tentativas de fuga e ameaças
A jovem contou que tentou escapar algumas
vezes, mas tinha muito medo de ser morta pela patroa e sempre era impedida. A
última vez, na segunda-feira, ela chegou a juntar alguns pertences pessoais
para tentar fugir, mas não conseguiu deixar a casa. Por conta disso, foi
gravemente ameaçada de ter seu coração arrancado.
"O pior dia foi na segunda-feira,
quando ela ameaçou arrancar meu coração, ela quebrou um casco de cerveja,
chegou bem perto de mim, e disse que ia tirar meu coração", descreveu.
Mãe não sabia onde filha morava
A mãe,
Maria do Socorro, é prima e comadre da suspeita dos crimes contra Janaína. Ela
contou que durante os 15 anos em que a filha foi mantida em cárcere, tentou
contato com a jovem, mas sempre era impedida.
"Eu tentei contato direto, meu 'sentido' sempre estava na
menina. Eu ia comer, lembrava dela, não comia mais. Sempre sem saber se ela
estava bem, se estava comendo, se estava bebendo. Tentei saber o endereço onde
ela morava em Teresina, mas não me diziam", disse ela.
Sem
estudos, agredida e ameaçada
A vítima, segundo ela, está muito
traumatizada, é analfabeta
porque nunca teve a oportunidade de estudar e tinha
muito medo de ser morta. Ela contou que a mulher tem marcas por todo o corpo de
agressões como arranhões e hematomas.
Além disso, a situação em que vivia a impediu de desenvolver
habilidades sociais, por isso não tinha desenvoltura para conversar e contar o
que estava acontecendo ou buscar ajuda. Ela vivia ainda sob
constantes ameaças de morte, além das graves agressões.
Danielly tem 38 anos, é fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Ela
foi candidata a deputada pelo Avante, mas não foi eleita.
Em 2020, Danielly foi candidata a vereadora em Teresina. Contudo,
ela acabou desistindo da candidatura, como consta no site do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
Entenda o caso
A jovem foi resgatada na terça-feira (23)
pela Polícia Civil após ser mantida em cárcere privado e em situação análoga à
escravidão por 15 anos em uma residência no bairro Ilhotas, Zona Sul de
Teresina.
O delegado Odilo Sena, responsável pela investigação do caso,
informou que a vítima era submetida a trabalho análogo à escravidão desde os 12
anos, quando ela foi entregue pelos pais para passar alguns dias com Francisca
Danielly que, além de madrinha da vítima, é prima da mãe dela. Anteriormente, a
jovem residia com a família no município de Chapadinha (MA).
Segundo
a vítima, ela era agredida por Francisca, sendo obrigada a limpar a casa e a
cuidar dos dois filhos da suspeita. Após ser resgatada, a jovem reencontrou a
sua mãe depois de 15 anos sem vê-la. A mãe também era ameaçada para que não
procurasse a filha.
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